Texto escrito por Daniela Zanini*
Antes de falarmos da primeiríssima infância, é importante relembrar que existe um marco legal para a primeira infância, período que vai de 0 a 6 anos de idade e que representa um avanço significativo para o ser humano, porque estabelece um conjunto de princípios, diretrizes e responsabilidades para garantir os direitos e o desenvolvimento integral a partir da infância, primeira e mais importante fase da vida. Essa fase é reconhecida globalmente por ser uma janela de oportunidades, em que a criança adquire as bases das habilidades motoras, cognitivas e socioemocionais que a acompanharão por toda a vida. Ou seja, a vida adulta está diretamente relacionada com a infância vivida, principalmente nesse período.
A primeiríssima infância vem como um “subperíodo” que vai aproximadamente até os 3 anos de idade. Esse período foi estabelecido devido às robustas descobertas das neurociências que demonstram uma intensidade e velocidade de desenvolvimento cerebral únicas na vida inteira do ser humano. O foco científico se justifica por três razões principais: a primeira é a explosão da plasticidade cerebral, considerando que as células cerebrais nessa idade formam até 1 milhão de novas conexões neurais (sinapses) a cada segundo, um ritmo que nunca mais se repetirá na vida do ser humano. A segunda é a formação da arquitetura essencial, pois é nesse período que se estabelecem as bases estruturais que darão suporte a todas as funções executivas, como foco, memória e controle inibitório, e às habilidades socioemocionais futuras. A terceira é o investimento com maior retorno social e econômico quando comparado a qualquer outro investimento em educação ou saúde mais tarde na vida.
É na primeiríssima infância que se começa a “construir” um adulto com fundamentos socioemocionais, éticos e espirituais sólidos, essenciais para a saúde mental e o sucesso na vida, além de um adulto crítico, reflexivo, competente, tolerante e apto a conviver em sociedade.
O segredo, de acordo com evidências científicas, está em priorizar o vínculo afetivo e a brincadeira livre em um ambiente seguro e responsivo, em vez de focar na instrução formal ou em atividades de desempenho, ou seja, sem impor metas ou performance precoce. Portanto, o foco deve estar no processo e não no resultado, e os avanços devem ser acompanhados a partir dos marcos de desenvolvimento e não por comparações de desempenho. O objetivo é que a criança desenvolva todo o seu potencial, e não apenas alcance resultados momentâneos em testes. O afeto e o carinho são tão importantes quanto a nutrição e a vacinação. O melhor estímulo não é a aula formal, mas a brincadeira livre, mas, claro, sob os olhares atentos dos adultos. É brincando que a criança explora, testa hipóteses, resolve pequenos problemas e desenvolve naturalmente suas habilidades motoras, cognitivas e sociais.
É fundamental respeitar o ritmo individual da criança. Portanto, não force a criança a sentar, andar ou controlar o esfíncter antes que ela demonstre estar pronta. No caso do desfralde, por exemplo, o estímulo deve ser em clima de brincadeira e sem repreender falhas. A criança tem seu tempo, e cabe ao adulto acompanhar e observar se o desenvolvimento da criança está dentro de um tempo preestabelecido. Não apresente o princípio alfabético e o sistema numérico para uma criança que precisa amassar, rasgar, pintar, encaixar, rolar, pular, cantar… responda e atenda aos interesses das crianças com respostas objetivas e simples.
O principal estímulo nesse período é a presença carinhosa e atenta do adulto. Converse, cante e leia para o bebê e para a criança bem pequena. A importância de ler bons livros de literatura para crianças de 0 a 3 anos, mesmo que elas não saibam ler as palavras, é fundamental e multifacetada, pois é nessa fase que se estabelecem as bases do desenvolvimento cognitivo, linguístico e socioemocional. A leitura em voz alta funciona como um poderoso motor para a aquisição de linguagem e habilidades cognitivas. Ao escolher bons livros de literatura, pais e educadores oferecem mais do que meras palavras ou imagens. A leitura de bons livros de literatura são cruciais nessa fase, pois, apesar de não ler, a criança vai percebendo cada pequeno detalhe daquela leitura, passo importantíssimo para a aquisição da habilidade leitora futura e o desenvolvimento da linguagem e do vocabulário. Ajude a criança a nomear suas emoções e acolha as frustrações sem repreensão, pois isso ensina a regulação emocional e constrói a base para um comportamento ético e empático.
Por outro lado, o estímulo em excesso pode ser estressante. Evite o uso de telas (celulares, tablets, televisão) para “entreter” a criança. O desenvolvimento cerebral exige um estímulo responsivo, ou seja, que interaja de volta, que tenha retorno. Há um conceito da neurociência fundamental nesse período chamado de “servir e devolver” (Serve and Return) que se refere à interação constante e atenciosa entre a criança e o adulto. Quando a criança “serve” (chora, aponta, sorri, pede, desenha…), o adulto “devolve” (responde com afeto, conversa, nomeia o objeto, se interessa, pergunta…). Essas interações pautadas no afeto e na sensibilidade são o principal motor da formação das conexões cerebrais saudáveis. O desenvolvimento do cérebro exige respostas, retornos, devolutivas, coisa que os aparelhos não são capazes de fazer.
Sabemos que, no dia a dia, nem sempre é possível encaixar em nossa agenda uma rotina saudável e ideal para essa fase, seguindo horários à risca. Tudo bem: podemos tentar adaptar nossa vida a algumas dessas atividades tão importantes. Com o objetivo de oferecer o melhor desenvolvimento e segurança para as crianças, elaborei uma sugestão de “Rotina diária” que incorpora momentos essenciais (sono, alimentação, estímulo e afeto). A rotina oferece a previsibilidade que a criança precisa para se sentir segura e disposta a aprender.
A rotina é um guia de apoio, não uma regra rígida a ser seguida perfeitamente. O mais importante para o bem-estar e segurança emocional da criança é a previsibilidade, ou seja, que as coisas aconteçam em uma ordem parecida todos os dias. O valor da rotina está em criar momentos de conexão e segurança para a criança, pois dessa forma ela se sente segura, sabendo o que virá depois. 0
Veja a sugestão de rotina diária para a primeiríssima infância (0 a 3 anos).
Na Rede Batista de Educação, acreditamos que a base de uma vida equilibrada começa nos primeiros anos, quando amor, cuidado e estímulo caminham juntos.
*Daniela Zanini é coordenadora no Centro de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação da Rede Batista de Educação.